O Parque Estadual de Canudos

16-01-2011 08:14

Edivaldo Boaventura

Prefácio

Oleone Coelho Fontes

    Uma guerra que aconteceu num fim de mundo baiano insiste em não terminar jamais. Tem tudo para durar mais que a famigerada Guerra dos 100 Anos, ocorrida em priscas eras em solo europeu. Quem sabe, até entre para o livro dos récordes. Ao menos em corações e mentes de escritores, poetas, ficcionistas, humanistas, historiadores e curiosos a Guerra Santa do Conselheiro tem sobrevivido e rendido tanto quanto pitadas de fermento em bolo de milho. Ainda bem que assim tem sido. E que fato histórico tão extraordinário, pelo que houve de sanguinário e desumano, sirva de exemplo para que genocídio de tal monta não venha mais se repetir entre nós.

Quando se pensa que nada há mais para se dizer, lá vem a professora Lizir Arcanjo com "Humor e Sátira na Guerra de Canudos". Quando se imagina que o assunto está esgotado, eis que surge um fantasista nascido em Canudos, Eldon Canário, com "Os Mal-Aventurados do Belo Monte", obra de mestre estilista criativo. Daqui a dias o irrequieto padre Enoque Oliveira vai acrescentar à extensa bibliografia mais documentação sobre a tragédia nos sertões da Bahia. Em seguida será a vez da historiadora Consuelo Novais Sampaio, que para tal bisbilhota um e outro estudioso, uma e outra instituição. Renato Ferraz corre Ceca e Meca falando de Antônio Conselheiro, jagunço, chefes militares e promete esconder-se durante dois anos na Alemanha a fim de levar a cabo transformar fichas e apontamentos em obra sobre Canudos. Eduardo Hoonaert acaba de lançar, durante o seminário "Canudos, a Constituição e a Defesa de um Lugar Sagrado", o livro "O Anjos de Canudos". Anuncia-se a reedição de "O Rei dos Jagunços", de Manoel Benício, livro de 1899, pela Fundação Assis Chateaubriand, assim como já pode ser encontrado "Uma Viagem a Canudos", de Alvin Martins Horcades, igualmente de 1899.

Pensam que a coisa acaba aí? Nada. O professor Raimundo Gama, de Feira de Santana, com paciência de copista beneditino, há décadas reúne recortes de jornais que trazem notícias sobre o fenômeno. Tais recortes serão livro em breve. O astrônomo amador Wilton de Carvalho, que tem furor por meteoritos, vivencia processo de pesquisa (itinerante e em laboratório), para nos entregar biografia do major Febrônio de Brito, que chefiou a segunda expedição militar contra Canudos. E agora me permitam um comercial. Incorrigível canudófilo, tive publicado, há pouco, pela BDA, "Guerra de Canudos em Quatro Atos". Tenho programada uma obra de ficção, só Deus sabe para quando, que já recebeu título: "A Quinta Expedição". Sei de um padre alemão, Pedro Metler, que na capital da cachaça, Januária, nas Minas, prepara tese de doutoramento sobre Canudos.

Isso é do que temos conhecimento. Há, porém, muito mais, conforme assegura o canudômano mestre José Calasans. Canudos é temática infindável e em expansão. Pela universalidade. Pela milenaridade. Pelo que esconde em seus esconsos de enigmático e singular. Quanto mais descobrimos, tanto mais a questão se desdobra.

Agora é a vez e hora do professor Edivaldo Boaventura, com "O Parque Estadual de Canudos". O Parque foi criado por ele quanto este inesgotável obreiro da palavra era Secretário de Educação e Cultura e governava a Bahia João Durval Carneiro, em 1986. A criação de tal sítio histórico, militar, arqueológico, ecológico, fazia parte integrante de ambição do mestre universitário, hoje também diretor do jornal "A Tarde", de valorizar lugares historicamente importantes no território baiano.

Quando se rememora genocídio praticado contra a comunidade inaugurada pelo Peregrino de Quixeramobim, eis que Edivaldo Boaventura reúne papéis de sua caderneta de campo, fotos, reminiscências e emoções e tudo transforma em publicação que, sem dúvida, será inestimavelmente valiosa para conhecimento um pouco mais da amplitude que teve fenômeno que se desenrolou nos sertões baianos, tragédia que continua ensanguentando corações que sobre ela se debruçam.

No Parque, sítio num vasto anfiteatro, está sepultado, à espera dos arqueólogos, material em abundância para contar mais das diligências que ali chegaram com suas máquinas de matar e destruir. O observador poderá conhecer o Vale da Morte (onde militares sepultavam seus mortos), o Vale da Degola (onde chefes expedicionários mandavam cortar pescoços de jagunços), e o Alto do Maio (ou do Maia, ou do Mário), onde morreu o coronel Antônio Moreira César (1850-1897), comandante da terceira expedição.

Enfim, a obra de Edivaldo Boaventura vem oferecer ao pesquisador mais elementos para sua cogitações, do mesmo modo que o Parque oferece mais conforto e diretriz para a observação local. Em particular para a reflexão.

Agosto/1997

 

Apresentação

Belo Monte, arraial da Fazenda da Fazenda Canudos instalado às margens do rio Vaza Barris num inóspito pedaço do sertão da Bahia, caatinga da gema, "fim do mundo", como insinuou o peruano Mário Vargas Llosa. Tinha tudo para ser mais uma página esquecida da história do Brasil. Passaram-se quase 50 anos de silêncio, mesmo depois de "Os Sertões". Até que chegou Odorico Tavares e escreveu "Canudos, 50 anos depois". E, enfim, os "jagunços" começaram a ser gente.

Dizem que o resgate histórico de Canudos, na vastidão da sua dimensão trágica e sociológica exigirá, no mínimo mais 50 anos de pesquisa. Tem a ver. É a corrida "atrás do prejuízo". Afinal, a guerra que dizimou mais de 20 mil pessoas hoje seduz uma legião de acadêmicos e leigos, já produziu mais de oito mil títulos entre artigos, reportagens, livros, obras de arte, filmes e mostras fotográficas. Mas dela ainda há muito para se saber.

A morte de Pajeú, só para citar um exemplo, tem seis versões diferentes. E o velho mestre José Calasans, a quem mais a história fica devendo por tudo que já se fez com o propósito de repor as coisas nos seus devidos lugares, lamenta até hoje ter perdido a oportunidade de ter sido um entrevistador mais acurado, para aprofundar com os sobreviventes da guerra, mesmo meio século depois, como era a vida no Belo Monte antes da guerra, a parte que menos se sabe.

O sino da Igreja que Antônio Conselheiro construiu está no Museu Nacional do Rio de Janeiro. A chave, no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. A cruz, sob a guarda do Memorial Popular de Canudos. A espada de Moreira César na mão de uma pessoa em Feira de Santana. As balas, espalhadas nas mãos dos moradores do lugar. Trabucos e espadas no Museu Manuel Travessa. A "matadeira" na praça de Monte Santo. O palco da guerra, o lugar em que ficava Belo Monte, sob as águas do açude de Cocorobó.

Que se gaste os próximos 50 anos na busca do resgate. Chegará um dia em que alguém vai dar um jeito de isolar Belo Monte de Cocorobó para permitir que os arqueólogos escarafunchem o chão que foi o núcleo da tragédia. É só o que está faltando. Não se diz que o açude foi construído com o propósito deliberado de sepultar a história - embora o fato seja muito questionado - mas sepultou boa parte.

O resgate de Canudos virou ponto de honra para a legião de estudiosos da questão e, mesmo 100 anos depois, ou quase isso, as vozes oficiais começaram a desabrochar nesse tom. O ministro da Cultura, Francisco Weffort, já admite se discutir uma revisão histórica de Canudos. A Secretaria de Cultura da Bahia planeja desenvolver o turismo na área. É aí que a iniciativa do professor Edivaldo Boaventura, ao criar o Parque Estadual de Canudos (PEC), quando era Secretário da Educação da Bahia, através do Decreto 33.333, de 30 de junho de 86, emerge como uma contribuição significa.

Além da preservação dos principais cenários da guerra, locais em que foram travados os mais encarniçados combates, a intenção é preservar o meio ambiente tal e qual ele era 100 anos atrás. É possível e necessário. Possível porque os esforços do Centro de Estudos Euclides da Cunha (CEEC), o apêndice da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) que administra os investimentos da Secretaria do Planejamento no PEC têm uma preocupação nuclear neste sentido, envolvendo também a população inativa. É uma questão de querer e se quer. Necessário porque o asfalto está chegando a Canudos e a caatinga, o solo pedregoso, a aridez do clima, um sistema ecossistema que por si já fragiliza a sobrevivência da fauna, precisa ser mantido como sempre foi, até pela elementar razão de quem pretende entender Canudos não pode desprezar um detalhe que teve a maior importância no desenrolar dos acontecimentos militares e sociais, o cenário, a paisagem.

Há quem diga que Conselheiro, já sofrendo perseguições oficiais, escolheu Belo Monte para se instalar em 1893 justamente porque o lugar é inóspito. Talvez tenha sido. Quem vê o Parque Estadual de Canudos de perto e sabe que ali houve uma guerra, entende melhor a situação. E fica pasmado ao pensar que algum dia espalharam pelo Brasil que uma multidão de excluídos encastelada naquele fim de mundo seria capaz de derrubar a República para reinstalar o Império.

Só quem não conhecia Canudos, e sequer o Exército da época, que foi lá combater, imaginava como era de fato o ambiente, poderia acreditar numa coisa dessas. É justamente nesse aspecto que está o legado maior de Canudos.

 

Introdução

Açude de Cocorobó (Foto de Agnaldo Novais)

Sob a inspiração do poeta maior, Castro Alves, a Bahia criou o seu primeiro parque estadual em Cabaceiras do Paraguaçu. Em 1986, foi a vez da declaração do sítio de Canudos, recriado em parque. Além da importância ecológica, há de se reconhecer o interesse pedagógico, na educação ambiental. Da competência estadual é o sítio histórico onde nasceu Cecéu.

Foi com imenso prazer que voltei a me ocupar dessa obra, realizada quando ocupei a Secretaria de Educação e Cultura da Bahia, pela primeira vez. Valiosa sugestão do grande Pedro Calmon, que o governador Luiz Viana Filho acolheu e decidiu concretizar ainda no seu governo. Na minha hegeliana volta, o Parque Histórico Castro Alves foi reformado, ajardinado e ampliado com a edificação de escola fundamental completa, casa do administrador, Auditório Pedro Calmon e outras benfeitorias. Quando se realizou a XVI Romaria Cívica Religiosa ao Parque, presidida por Jorge Calmon, em 14 de março de 1987, comemorativa dos 140 anos de nascimento do poeta, era bem diferente daquele que encontrei em 1983.

Deus louvado me permitiu e, enquanto reformava o Parque de Cabaceiras, fui me municiando para criar o de Canudos, à base dos elementos que Renato Ferraz e o pessoal da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) iam reunindo. Em 1986, o governador João Durval Carneiro decretou a sua criação, integrando importantes áreas de terras onde se deu a guerra fratricida. Primeiramente, o governo fez a reserva de terras devolutas pelo Decreto nº 33.193, de 27 de maio de 1986, e depois pelo Decreto nº 33.333, de 30 de junho, instituiu o Parque Estadual de Canudos, autorizando a Secretaria de Educação e Cultura, por intermédio da Universidade do Estado da Bahia, a adotar as providências necessárias à sua construção.

Outros foram os procedimentos com referência à Chapada Diamantina. Antes mesmo de assumir a Secretaria, tomei conhecimento do trabalho de Roy Funch, "Chapada Diamantina: uma Reserva Natural", do seu idealismo para que se reservasse um segmento da Chapada. Não somente o apoiei, como também dirigi-me, como secretário do Estado, às autoridades federais competentes. Assim, foi importante para a Bahia o decreto do presidente da República, de 17 de setembro de 1985, que criou o Parque da Chapada Diamantina. Tanto em Canudos como na Chapada Diamantina, foi decisiva a colaboração do secretário da Agricultura Fernando Cincurá de Andrade.

A Bahia conta, com o Parque Nacional de Monte Pascoal, da Chapada Diamantina e marinho de Abrolhos, que é o primeiro Parque Nacional Marinho do Brasil, criado em 1983. Abrolhos é objeto do trabalho de Carlos Secchin e Zenilda Margarida Leão - "Abrolhos, Parque Nacional Marinho". Os três parques nacionais e a reserva biológica da Una, que protege o mico-leão-de-cara-dourada, estão sob a jurisdição do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

 

A definição de Parque

A tendência espacial dos parques deve ter a devida continuidade, também na Bahia, que na multiplicidade de suas regiões e de suas culturas, além de um constante convite à criação de museus, detém um vocacionado espaço a ser preservado em parques, como a lagoa e dunas de Abaeté, as escarpas de Porto Seguro, o sítio do Descobrimento e o próprio Recôncavo.

Sem esquecer as praias e as dunas andantes de Mangue Seco, as inúmeras grutas, as elevações solitárias, como a de Bom Jesus da Lapa, a natureza luxuriante de Morro do Chapéu e as bordas, alvas e lunares, do sagrado Paraguaçu, a criação de parques tem como objetivos, tal como se estabelecem para o Parque Estadual de Campos do Jordão:

"Os objetivos fundamentais de um parque são proteger e preservar unidades dos sistemas complexos de valores naturais ou culturais, proteger recursos genéticos, oferecer recreação pública e servir para atividades de investigação científica e de educação ambiental."

A experiência internacional demonstra que a conservação da natureza efetiva-se com parques, a exemplo de Yellowstone; de igual modo, as áreas de interesse histórico-militar são preservadas como o estatuto público de proteção física, cultural e ambiental.

 

Cenários Históricos de Campos de Batalha

Quando da comemoração dos vinte anos do término da guerra, visitei, em 1965, a praia do desembarque, na Normandia, França. Percorri a costa dividida em cinco partes pela operação Overlod: Utah e Omaha Beaches, destinadas ao Primeiro Exército Americano; Gold Beach, prevista para a 50ª Divisão de Infantaria Britânica; e Juno e Sword Beaches, cometidas, respectivamente, à Terceira Divisão da Infantaria Canadense e à Terceira Divisão de Infantaria Britânica.

A cavalaria de praia, as cruzes brancas do cemitério militar contrastavam com o verde suave do gramado. Mais para trás, na parte mais elevada, restavam alguns bunkers, construídos pelos alemães para o inexpugnável muro do Atlântico. A brisa do verão trazia as lembranças bélicas daquele teatro de operações e recordava as chegadas sucessivas das tropas aliadas que atravessaram o canal da Mancha para libertar a França, a Europa, o Mundo beligerante da Guerra Plurinacional de 1939 a 1945. Detive-me, então, em Arromanches. Olhando para o mar, pude observar o esforço gigantesco para a construção da enseada artificial pelos ingleses. Enseada e porto que possibilitaram o abastecimento de suprimentos e munições. Em Arromanches, ainda, bem à borda da praia histórica, um pequeno museu militar reproduzia, didaticamente, o desembarque do dia "D", 6 de junho de 1944. A saga do desembarque estava bem representada. Certamente, fora um dos mais longos dias da história.

Para assinala aquele momento de profunda emoção, adquiri o livro de Cornelius Ryan, "Le jour plus long" (1960) que Darryl Zanuck transportou para o cinema. A obra é epigrafada com a sentença profética do Marechal Rommel ao seu ajudante de campo: "Creia-me Lang, as primeiras vinte e quatro horas da invasão serão decisivas... A sorte da Alemanha depende delas... Para Aliados, como para nós, será um longo dia."

Como em Arromanches, Waterloo, na parte central da Bélgica, bem perto de Bruxelas, é outro campo de batalha preservado que concretiza a última ação dos exércitos napoleônicos. Em Waterloo, diferentemente de Arromanches, todas as partes beligerantes estão presentes em bronze e mármore. O monumento ao soldado francês ressalta-lhe o heroísmo naquele 18 de junho de 1815, para mim, marco decisivo da hegemonia anglo-saxônica sobre a latina. Trafalgar e Waterloo fixaram o domínio britânico nos mares e no comércio.

Com a recordação também do parque nacional militar de Gettysburg, na Pennsylvânia, aproximo-me mais ainda de Canudos e do seu decretado parque. Recolhi uma extraordinária lição de histórica civil e militar em Gettysburg pelo conhecimento das manobras que decidiram a Guerra Civil americana. A bem da verdade, recebi dupla lição de história, como de política, pelo Gettysburg Adress, de Abraham Lincoln, lá pronunciado. Gettysburg me tocou mais de perto por ter culminado uma guerra, como a de Canudos, fratricida.

Juntam-se, também aqui, aos objetivos de preservação ecológica, os cenários histórico de campo de batalha, que é como antevejo o Parque de Canudos. Criado para preservar o sítio bélico e fixar um dos acontecimentos mais significativos da História do Brasil. De fato, Canudos mexe com os sentimentos religiosos, pelo messianismo do Conselheiro. Canudos interessa às Forças Armadas, especialmente ao Exército e às polícias militares. Canudos exemplifica o intrincado relacionamento entre forças políticas estaduais e federais. Canudos encontra-se no eixo das encruzilhadas das nossas questões regionais e nacionais. Canudos está no coração seco e sertanejo do Nordeste.

Nessa problemática, o aspecto acadêmico deve ser logo suscitado. Canudos converteu-se em núcleo central de pesquisa universitária. E mais. Ao lado da investigação histórica, portanto, cultural, há outras indagações ditadas pela natureza. Variáveis culturais e ecológicas militam a favor do Parque de Canudos. O caminho a seguir, nesta exposição, é o da trajetória da sua criação com vistas à definição dos seus objetivos como unidade de conservação.

 

1. PARQUES NACIONAIS E RESERVAS ECOLÓGICAS

1.1 Introdução

Em resposta à questão "O que é um Parque Nacional?", Roy Funch (1982) explanou em Simpósio sobre a Preservação do Patrimônio Natural da Chapada Diamantina:

"Um Parque Nacional é uma área relativamente grande de território nacional escolhida por alto valor paisagístico e por sua abundante riqueza de animais e plantas silvestres.

Nesta área, todos os animais, plantas e recursos hídricos e minerais são completamente protegidos pelo Governo Federal. Não é permitido caçar, coletar plantas, provocar incêndios ou depredar os recursos naturais dentro dos limites do Parque.

Porém, um Parque Nacional não é simplesmente uma área demarcada. Claro que um Parque Nacional é sempre em primeiro, uma área onde a natureza manda, domina, e fica protegida da exploração predatória. Mas, é também um espaço onde o público é sempre bem vindo para visitar e curtir.

Normalmente os Parques Nacionais têm áreas de proteção integral, são área de ecologia frágil, ou em recuperação, ou áreas com animais raros cuja reprodução pode ser prejudicada pela presença do homem. Nessas áreas, a visitação é proibida mas em geral nos Parques são permitidos passeios, acompanhamentos e todo tipo de turismo. Um Parque é para o povo visitar, uma espécie de museu ao vivo."

 

Como justificativa para a criação de um Parque Nacional, acrescenta Funch (1982):

"É importante lembrar que, embora o Brasil seja um país muito grade (5º no mundo em área territorial), está em fase de desenvolvimento econômico e industrial. Nessa marcha de progresso técnico, torna-se importante preservar uma parte da outrora abundante riqueza natural. São reservatórios naturais de recursos genéticos únicos de plantas e animais. Com os grandes avanços nas ciências da engenharia genética da utilização de recursos naturais renováveis, um grande país tropical como o Brasil tem uma enorme vantagem sobre os países de clima temperado, devido a deslumbrante quantidade de plantas e animais silvestres encontrados no nosso clima. Mas esses recursos potenciais têm que ser preservados agora, pois este patrimônio genético único, uma vez perseguido até a extinção, perde-se para sempre. A humanidade deve agir agora, para tirar áreas naturais do ciclo da crescente exploração, para que não percam recursos insubstituíveis, um patrimônio que nossos filhos e netos desfrutarão, e irão nos agradecer por ter preservado."

 

Explicitam-se no pronunciamento desse autor os conteúdos dos objetivos e finalidades que justificam a criação e o manejo de parques, conforme se reitera.

 

1.2 Definição de Objetivos

Os objetivos fundamentais previstos no regulamento geral de manejo de parques são: proteger e preservar unidades importantes ou sistemas completos de valores naturais ou culturais; proteger recursos genéticos; desenvolver a educação pública; fornecer oportunidades para a recreação; propiciar atividades de investigação e outras afins de índole científica e, acrescento, desenvolver o espírito cívico e educativo. Ressaltem-se, entre outras, as atividades de investigação científica e educação ambiental, esta voltada para o reconhecimento e a classificação de valores, atitudes e conceitos concernentes aos relacionamentos do homem com o seu meio ambiente cultural e biológico, conforme a compreensão de Carter V. Good (1973, 214).

Como reconheceram Maria Tereza Jorge Pádua e Adelmar F. Coimbra Filho (1979), são poucas as categorias de manejo de unidades de conservação: parques nacionais e reservas biológicas. Há necessidade de novos tipos com outros objetivos além destes dois. Os autores de "Os Parques Nacionais do Brasil" sugerem: monumentos nacionais, santuários de vida silvestre, rodovias-parques, rios cênicos e reservas de fauna.

A diversidade dos parques é bem mais numerosa, devendo incluir especificamente quanto ao segmento militar, parques militares, parques-campos de batalha ou campos e sítios de batalha. A classificação ficará mais rica pela inclusão de sítios históricos, parques históricos, como o Parque Histórico Castro Alves, no vale do Paraguaçu; o de Osório, no Rio Grande do Sul; o de Guararapes, no Recife, e o parque na serra de Barriga, em Alagoas; e também memoriais, parques-memoriais, áreas de recreação, margens de lagos e de rios, praias, estradas, caminhos cênicos, rios nacionais, reservas científicas, caminhos fluviais e outros, conforme a enumeração da "New Columbia Enciclopedia" (1975, 1886-1894).

Pádua e Coimbra Filho observaram que parques e reservas plotadas concentravam-se na região sudeste do País. Enquanto o Estado do Rio de Janeiro possuía quatro parques nacionais - Tijuca, Itatiaia, Serra dos Órgãos e Bocaina - o Estado do Amazonas, o mais extenso do País, detinha apenas o Parque Nacional do Pico da Neblina. Na relação apresentada, a preservação visava apenas recursos naturais, como flora, fauna e paisagem. Não encontrei menção à proteção de caráter histórico-cultural na enumeração dos parques nacionais. Há carência de informações sistemáticas sobre o número e tipo de parques históricos e de categorias culturais.

Informações mais recentes aumentaram bastante o número de parques e diversificaram um pouco mais as unidades de conservação. O país possuía, em 1992, 34 parques nacionais, 38 florestas nacionais, 15 áreas de proteção ambiental e quatro reservas extrativas, além de seis reservas ecológicas que somam cerca de 38 milhões de hectares ("A Tarde", 17 de maio de 1992). E Álvaro de Oliveira d'Antona (1994), em viagem filosófica pelos brasis afora, informa, comunica, descreve e vivencia dezenove parques nacionais não incluindo os do Pantanal e da Amazônia.

Tudo leva a crer que a criação de parques começou pelos naturais, "para benefício e gozo do povo", partindo, a posteriori, para as áreas de interesse histórico e cultural. O primeiro a ser construído em grandes dimensões foi o Parque Nacional de Yellowstone, Estado de Wyoming, nos Estado Unidos da América, que mede 8.873km2, atingindo, em 1872, terras de Montana e Idaho. Enquanto isso, o primeiro parque nacional criado no Brasil foi o de Itatiaia, em 1937, com 12.000 ha. Até  1994, existiam em nosso país, sem incluir os parques de Tapajós, Pico da Neblina, na região amazônica, trinta e quatro parques nacionais. D'Antona (1994,5) usa como definição de parques nacionais:

"São áreas delimitadas com a finalidade de preservar os atributos excepcionais da natureza, conciliando a proteção integral da flora e fauna e das belezas naturais, com a utilização para fins educacionais, recreativos ou científicos, sendo nelas proibida qualquer forma de exploração de recursos naturais."

A conservação da natureza se fará com parque. Essa é a experiência internacional, como Yellowstone e o Great Basin, um parque diferente (Diálogo: 1989). Acredito ser a preservação uma função tanto dos organismos encarregados da educação, cultura, turismo, agricultura, planejamento como da comunidade.

Na evolução da criação dos parques naturais, a experiência norte-americana de proteção a sítios especiais data de fins do século passado. À lei sobre antigüidades, assinada em 1906, juntaram-se outros atos do Congresso americano, permitindo a formação de um sistema nacional de parques que hoje abrange mais de trezentas áreas de interesse paisagístico, histórico, recreativo e cultural.

A classificação dos parques nacionais nos Estados Unidos da América do Norte registrada na "New Columbia Enciclopédia" (1975, 1885-94) foi acrescida, ainda, de parques e reservas científicas e do parque da capital nacional do país, onde está edificada a Casa Branca. Registro especial merece o Roosevelt-Campobello, por se tratar do primeiro parque internacional. Localizado na Ilha de Campobello, onde se ergue a casa de verão de Franklin Delano Roosevelt, administrado conjuntamente pelos governos norte-americano e canadense.

 

1.3 Viajando pelos Parques Nacionais

Do norte, da ilha de Marajó, ao sul, a cidade do Chuí, D'Antona (1994) descreveu os nossos desolados e persistentes parques, pertencentes ao IBAMA, em diferentes lugares e em situações as mais diversas.

Ressalta-se a contribuição do relato que acrescente um bloco de informações e de conclusões sobre os parques. A ausência de bibliografia é enriquecida vivamente com informes colhidos pelo próprio viajante. Quem quiser conhecer os nossos parques nacionais dispõe de um roteiro, guia e manual informativo não só sobre os parques, mas também acerca das condições de acesso, hospedagens e instalações. Além da leitura agradável, o livro é de suma utilidade como referencial.

O roteiro foi cumprido de 5 de abril a 10 de novembro de 1993. Foram visitados dezenove parques nacionais em um total de 24.650 quilômetros. Iniciou pelos parques nacionais (PARNA), Minas Gerais: Serra da Canastra, onde nasce o rio São Francisco, seguido do parque da Serra do Cipó, não muito longe de Belo Horizonte, e o do Caparaó com o Pico da Bandeira, o ex-ponto mais elevado do Brasil. De Minas penetra nos parques nacionais da Bahia: marinho de Abrolhos e Monte Pascoal, na costa sul, e o da Chapada Diamantina, no centro da Bahia, com todas as suas bromélias e orquídeas. Chega ao Parque de Fernando Noronha, com o mar de dentro e mar de fora, que abriga os projetos Golfinho, Acqua-Life, Ecologia. Passa ao Ceará com o Parque de Ubajara e entra pelas Sete Cidades, no Piauí, para alcançar os Lençóis Maranhenses. Adverte: "Lençóis é um deserto tipicamente brasileiro: um deserto molhado, litorâneo, repleto de dunas e lagoas" (p. 200). Região importante na caminhada da modernidade do autor-economista para a atualidade do antropólogo. Acrescenta-se que o método da observação vivendo situações e assumindo posições já eram bem de um etnólogo.

Já no norte excluiu os parques da Amazônia e marchou para os parques do Brasil Central: Araguaia, Chapada dos Veadeiros com os seus lampejos extraterrestres, Brasília, desconhecido e dentro da capital federal, Emas e Chapada dos Guimarães, este no Mato Grosso.

Na última etapa, ocupou-se dos parques do Sudeste e Sul, como Serra da Bocaina, entre os Estados do Rio de Janeiro e São Paulo; Itatiaia, o mais antigo, declarado em 1937; São Joaquim, em Santa Catarina; Aparados da Serra e Lagoa do Peixe, no Rio Grande do Sul.

Uma viagem realmente filosófica, como a realizada por Alexandre Rodrigues Ferreira, instrutiva e construtiva pelo que conseguiu reproduzir, documentar e escrever. É certamente a fonte de informações mais abundantes sobre os nossos parques nacionais. É preciso, sob a inspiração do livro de d'Antona, conhecer e documentar as reservas ecológicas, os parques estaduais, a exemplo do de Castro Alves e Canudos, e municipais, como o da Matinha, em Itapetinga, todos na Bahia.  

2 O PARQUE DE CANUDOS

2.1 Introdução

A criação do Parque Estadual de Canudos integra-se no longo processo de absorção da Guerra de Canudos pela sociedade brasileira. Inúmeros foram os antecedentes e expedientes. Amplia-se a importância de Canudos. Era preciso começar a preservação do sítio bélico.

Já na época em que edifiquei o Parque Histórico Castro Alves, em 1971, bem assim, quando defendi junto às autoridades federais a delimitação do Parque da Chapada Diamantina, que tinha em mente preservar os campos das lutas de Antônio Conselheiro, na região de semi-árido baiano (Boaventura, 1986).

Considere-se, em primeiríssimo lugar, a copiosa literatura, liderada e iluminada pela obra do genial Euclides da Cunha. Muito a propósito, Oswaldo Galloti ponderou que o segredo de Euclides consistiu em buscar a síntese entre a linguagem científica e a linguagem literária. Outro aspecto que este euclidianista sublinhou foi a baianidade de Euclides. Filho de pai baiano, Manuel Rodrigues Pimenta da Cunha, do tronco dos Pimenta da Cunha, escreveu com calor e entusiasmo, dando expressão maior à guerra. No relacionamento autor e obra, existe o fato da campanha, com todas as suas adversidades e expedições, mas há a versão do escritor, com seu portentoso estilo. E é o estilo que pinta o que fica. A grande força da expressão grandiloqüente de Euclides imortalizou a saga de Canudos. Tomo em consideração Canudos, o fenômeno, e Euclides, a expressão, e coloco a seguinte pergunta: e se não fosse Euclides da Cunha, o que teria sido de Canudos?

Além de "Os Sertões", que se encontra no começo de tudo que diz respeito a Canudos, leve-se em consideração o abandono e a depredação das áreas contíguas à represa do Cocorobó, que sepultou a vila messiânica. Fora da área reservada por decreto estadual, há lugares altamente significativos, que integram o patrimônio cultural de Canudos. A sepultura do heróico coronel Tamarindo encontra-se, por exemplo, na serra do Angico. Objetos de dimensões e valor histórico estão dispersos. É o caso do canhão Withworth 32, mais conhecido como a matadeira, do cruzeiro da submersa vila de Canudos e da escultura Antônio Conselheiro, de Mário Cravo Júnior.

Além de livros, terras e materiais de guerra, farta e não explorada documentação guardam os arquivos militares da Bahia, Rio de Janeiro, Pará, São Paulo e Amazonas, especialmente das polícias militares que tomaram parte nos combates. Tudo isso levei em conta para o projeto do parque, que alcança aspectos outros - arqueológicos, ecológicos e agronômicos - como unidade de conservação.

2.2 Criação e Reserva de Terras para Implantação do Parque

Uma das medidas necessárias para a implantação do parque foi a declaração de reserva das terras devolutas. Para tanto, o Instituto de Terras da Bahia (Interba) procedeu aos levantamentos viabilizadores das glebas, pertencentes ao próprio Estado. Assim, pelo Decreto nº 33.193, de 27 de maio de 1986: "Fica declarada reservada (...) a área de terras devolutas medindo, aproximadamente, 1.321 (um mil, trezentos e vinte e um) hectares, situada no município de Canudos, neste Estado, e descrita no memorial".

Já pelo Decreto 33.333, de 30 de junho de 1986, efetiva-se o projeto sobre Canudos, com a emenda: "Cria o Parque Estadual de Canudos, no município de Canudos - Estado da Bahia e dá outras providências".

A finalidade da reserva é para a implantação do parque histórico e arqueológico, promoção de pesquisas e estudos de tal natureza, em favor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Posteriormente, o Decreto nº 2.650, de 8 de agosto de 1986, dispõe também sobre a mesma matéria.

Em 1986, quando da criação do Parque, publique dois artigos - "O Projeto Canudos" e "Educação em Canudos", transcritos a seguir.

 

2.3 O Projeto Canudos

(Edivaldo Boaventura, "A Tarde", 11 de setembro de 1986)

"Dia a dia avulta a importância histórica da Guerra de Canudos, o que nos levou a dar atenção especial ao seu sítio histórico. Já na época em que criamos o Parque Histórico Castro Alves, em 1971, e depois quando o reformamos, bem assim, quando influímos junto às autoridades federais para a delimitação do Parque da Chapada Diamantina, segundo o projeto Roy Funch, tínhamos em mente o Parque de Canudos.

Renato Ferraz, que tanto colaborou na organização do primeiro parque, em 1970 e 1971, trouxe-nos uma sugestão concreta para a criação do Parque de Canudos, em começos de 1985. Considerava o estudioso, em primeiro lugar, a copiosa bibliografia sobre a Guerra de Canudos, liderada pela obra genial de Euclides da Cunha, "Os Sertões"; em segundo, o abandono e a depredação das áreas contíguas ao Açude Cocorobó, bem assim o saque de restos materiais da guerra, como documentos e outros; em terceiro, alguns objetos de dimensões monumentais como o famoso canhão Withworth 32, conhecido como matadeira, o Cruzeiro da antiga Vila de Canudos e a escultura de Mário Cravo "Antônio Conselheiro"; em quarto, a instalação do Memorial de Canudos, no município de Euclides da Cunha; em quinto, a existência de farta documentação na Bahia e fora dela, como na Biblioteca do Exército e na Casa de Ruy Barbosa, no Rio de Janeiro; também o Grêmio Euclides da Cunha, em São Paulo e, finalmente, a colaboração de especialistas como o professor José Calasans Brandão da Silva, o diretor do Instituto de Patrimônio Cultural e Artístico da Bahia (IPAC) e os dirigentes militares da região. Todas essas ponderações conduziram ao Projeto Canudos.

Desde a sua formulação, vinculamos o Projeto à Universidade do Estado da Bahia (Uneb), sobretudo agora que foi autorizada pelo governo federal. A Uneb é expressiva presença na região, especialmente em juazeiro, onde conta com duas unidades universitárias, assim como em Paulo Afonso, onde um núcleo inicial se resolveu em Centro de Educação Superior. Também está presente em Euclides da Cunha, contando, desde o início, com a colaboração do prefeito Renato Campos, incentivador do Memorial de Canudos. A presença da Uneb ainda se faz sentir em Ribeira do Pombal, sede de vários organismos estaduais, como a Superintendência Regional de Educação e Cultura, SUREC, não se omitindo, evidentemente, Alagoinhas, onde funciona mais do que uma Faculdade de Formação de Professores já há bastante tempo, e um Campus da Uneb que está sendo planejado. Nada mais legítimo, pois, que o Projeto do Parque de Canudos se vinculasse à Uneb que, para tanto, conta com o Centro de Estudos Euclides da Cunha, o CEEC.

Ainda em 1985, a UNEB começou a elaboração do projeto para a criação do parque arqueológico, histórico e natural no local exato onde ocorreu o último confronto entre forças do Exército e Policiais Militares de diversos estados da federação e partidários de Antônio Conselheiro.

Trata-se de uma área de 1.321 hectares, situada no recém criado município de Canudos, confrontando-se ao norte com os terrenos da Universidade Federal da Bahia-Centro de Pesquisas e Tratamento de Água; ao sul, com o riacho das Umburanas; ao leste, com a estrada Bendegó-Canudos; e ao oeste, com o açude de Cocorobó. É o local preciso onde relevantes eventos da história brasileira aconteceram e encontrava repleto de evidências arqueológicas, que a Uneb, como organismo de conscientização cultural da área, está resgatando e conservando para a preservação da memória histórica nacional.

Com base nos dados levantados pelos técnicos da Uneb, tendo à frente seu reitor, professor José Edelzuito Soares, e o assessor Renato Ferraz, o governador João Durval Carneiro, por sugestão nossa, encaminhou a Exposição de Motivos ao secretário da Agricultura Dr. Fernando Cincurá de Andrade, para que o Interba, Instituto de Terras da Bahia, procedesse aos estudos viabilizadores para a declaração de reserva da área de terras acima referida, conforme a legislação estadual, considerando que as terras pertencem ao próprio estado da Bahia, conforme a Lei nº 3.038/1972.

A colaboração da Secretaria da Agricultura não se fez tardar. E o Decreto nº 33.193, de 27 de maio de 1986 declarou: "reservada a área de terras devolutas que indica, para fins de implantação de Parque Histórico e Arqueológico" (Diário Oficial de 28 de maio de 1986) em favor da Universidade do Estado da Bahia - Uneb, observando-se os limites definidos no memorial descritivo no anexo desse Decreto. O mesmo Decreto determina que o Interba e a Procuradoria Geral do Estado deverão se articular para a execução das providências. Em tempo, o Decreto foi republicado em 26 e 29 de junho de 1986, fazendo menção expressa ao Parque de Canudos.

Concluiu-se, deste modo, a primeira etapa das ações, que visava assegurar a posse do sítio histórico para a implantação do Parque Histórico e Arqueológico e para a promoção de pesquisas e estudos relacionados. Logo após, em 1º de julho deste ano, seria criado o Parque Estadual de Canudos por decreto do governo João Durval Carneiro.

 

2.4 Educação em Canudos

(Edivaldo Boaventura, "A Tarde", 25 de setembro de 1986)  

 

A criação do Parque de Canudos pelo decreto nº 33.333, de 30 de junho deste ano, publicado no Diário Oficial de 1º de julho, coincide com a implantação da administração do recém-criado município de Canudos, tendo à frente o prefeito Manoel Adriano Filho.

O projeto do Parque, a cargo da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) conta com o apoio da comunidade local, que participa da sua implantação. Deste modo, a administração estadual, de um lado, e a administração local, do outro, estão trabalhando com o mesmo objetivo e a Secretaria de Educação tem apoiado o município para que desenvolva plenamente a educação. Uma das funções do Parque será a educativa. Além das escolas que estão sendo construídas na sede do município é preciso que se instale uma no Parque, assegurando condições permanentes de funcionamento ao Projeto. Como todo município novo, Canudos precisa de uma atenção especial por parte do Estado, o que já vem ocorrendo, através de convênio que permite dotá-lo de escolas, devendo o prefeito Manoel Adriano Filho construir em 86/87 pelo menos doze salas de aula. Da mesma forma está edificado o Órgão Municipal de Educação (OME) pelo Edurural e Canudos terá a sua Secretaria Municipal de Educação antes do prédio da Prefeitura. O trabalho do município, no setor de educação, vem sendo liderado pela professora Ana Maria Ferreira, licenciada em educação física e assistência social. O Departamento de Educação Continuada da Secretaria Estadual começará dentro em pouco a implantação do Núcleo de Educação de Adultos (NEA) e o programa LOGOS será iniciado para atender as sessenta professoras leigas da área rural de Canudos. Tudo isso em perfeito entrosamento com as autoridades encarregadas do Projeto do Parque.

A recente visita de inspeção que já fizemos quando do encerramento da Ação Comunitária e da Ação Documento, juntamente com outras secretarias e com a significativa participação da VI Região Militar, serviu para examinar a situação educacional de perto e planejarmos as próximas etapas. Para Renato Ferraz, coordenador do Projeto Canudos, a população escolarizável justifica uma escola nas proximidades do Parque. Para efetivá-la, convênio já foi assinado na prefeitura com a Secretaria de Educação, no dia 19 deste. A escola será a primeira construção no Parque, assim como a atividade educacional deverá ser a primeira de caráter permanente instalada e a funcionar no início de 1987. Enquanto na esfera local se desenvolvem os projetos de apoio à população, na Uneb, particularmente no Centro de Estudos Euclides da Cunha (CEEC), a professora Iara Ataíde encaminha as pesquisas e projetos em três linhas. Primeiramente, trata de reunir a documentação escrita, oral e audiovisual de Canudos, para resgate de memória histórica. Em segundo lugar, elabora projetos sócio-econômicos com aplicação e a participação da comunidade. Estudos estão sendo planejados para solos, caprinocultura, botânica, fauna e flora, com vistas à preservação de espécies em extinção. Em terceiro e último lugar, trabalhos estão sendo realizados para salvaguarda dos sítios históricos, dedicando-se especial atenção ao turismo cultural planejado, com o auxílio de arqueólogos, como o professor Paulo Zanettini, e antropólogos físicos, como Heloísa Kuser, que já trabalha na área, e João César Cabral. No Campus de Narandiba, a Uneb treina uma equipe de estagiários. Dessa forma, os estudos preliminares vão em três sentidos: documentação, economia e história.

O próximo seminário sobre o Parque de Canudos a ser realizado, parte em Salvador, e parte em Canudos, espera contar com a participação de outros organismos estaduais, notadamente a Secretaria de Agricultura e o Interba, Secretaria do Trabalho e Bem Estar Social, Secretaria da Indústria, Comércio e Turismo e a Emtur. Além das repartições federais que já tradicionalmente trabalham na área, como o DNOCS e a Universidade Federal da Bahia, também a SUDENE deverá ser convidada.

A administração municipal de Manoel Adriano Filho, em Canudos, e a administração estadual em Salvador, liderada pela Uneb, se movimentam no mesmo sentido para instalar em pleno Nordeste da Bahia um Parque ecológico histórico e cultural sob a inspiração de Euclides da Cunha.

Digna de menção é a coincidência de publicação recente de novos livros sobre Canudos/Euclides da Cunha. Além dos estudos do mestre José Calasans Brandão da Silva, de Umberto Peregrino, de José Aras e de muitos outros, como a clássica obra de Henrique Duque-Estrada de Macedo Soares, "A Guerra de Canudos", a Editora Brasiliense publicou a edição crítica de "Os Sertões", por Walnice Nogueira Galvão, em fins de 1985, e a Fundação Casa de Rui Barbosa, como o apoio do grupo Monteiro Aranha S.A., editou "Canudos, Subsídios para sua Reavaliação Histórica", em 1986. Pode-se prever, pela documentação recolhida pela Uneb, que é bem provável que novos estudos com novas descobertas sairão das informações coletadas.

 

2.5 A Criação do Parque de Canudos na Imprensa

2.5.1 Parque de Canudos terá Distrito Ecoturístico

(Correio da Bahia, 19 de setembro de 1986)

Com a recente criação do Parque Estadual de Canudos, o superintendente da Emtur (Empreendimentos Turísticos da Bahia), subsidiária da Bahiatursa, José Albuquerque, acredita que poderá concretizar-se um antigo projeto elaborado pelos técnicos da empresa: o da implantação do Distrito Ecoturístico-Cultural de Canudos.

"Desde alguns anos atrás", lembra José Albuquerque, "pretendemos explorar o potencial turístico do sertão de Canudos, mas a falta de infra-estrutura mínima na região e as dificuldades de acesso vinham-nos impedindo de realizar a nossa proposta". De fato, a região tem tudo para absorver um fluxo turístico expressivo: além de palco de acontecimentos históricos de expressão nacional tem características peculiares na sua ecologia, formação geológica, artesanato, culinária e calendário de festas.

A vegetação de caatinga - como o cajueiro anão, alecrim-do-tabuleiro, canudo de pito, juazeiro, xique-xique, entre outros -, as formações rochosas, os animais como as emas e os passarinhos de várias espécies que ainda podem ser vistos em estado selvagem constituem-se em atrações potenciais. O artesanato mais significativo, pela pureza de suas características, é a cerâmica, cuja confecção dispensa o uso do torno manual, conservando os padrões ancestrais. Na culinária típica destaca-se o bode assado, o doce de umbu e a rapadura. No calendário de festas os eventos maiores são os de São João e São Pedro.